Acidentes domésticos na era digital
Ontem fiz uma pequena tentativa de suicídio/auto-mutilação (estou indecisa ainda na denominação, embora possam ser uma e a mesma coisa). Para não ir directa ao pescoço ou aos pulsos - que mesmo na hora da extrema violência evito os clichés - resovi começar pelo dedo indicador, decepando-o (para disfarçar, fingi que estava apenas a tentar cortar pão duro e ninguém desconfiou). O meu primeiro alívio (segundo, se contarmos com a água oxigenada) foi reparar que o dano se deu na mão esquerda, esse membro conhecido pela sua inutilidade na redacção de guiões e outro tipo de documentos.
Conclusão erradíssima. Na era da web 2.0 as facas são as mesmas e cortam tanto como no início do século, mas as canetas são cada vez mais obsoletas. Agora escrevo com quase todos os dedos das duas mãos (e anseio um dia fazê-lo também com os pés, como aqueles talentosos pintores deficientes que vendem quadros na época do Natal - sou menos talentosa mas igualmente persistente).
E dói-me muito o dedo esquerdo, responsável por um vasto lote de letras (toda a sequência QWERT e outras mais).
O meu suspiro, porém, não é de dor. É de saudade das canetas de tinta permanente. Da Parker. Coisas bonitas, com estojo, com classe, com tudo. Nada a ver com este matacão pouco elegante que dá pelo nome de teclado.