"As minhas férias"
"As minhas férias" é, oficialmente, o segundo tema de composição mais pedido pelas professoras primárias, logo a seguir a "A Primavera". Ao longo da minha vida já fiz milhares dessas redacções... Normalmente eram feitas na ressaca das férias grandes, depois de 3 infindáveis meses de alegria para uns e desespero para outros (como eu). Três meses era tempo demais. Eram dias a mais. Calor a mais. Areia a mais no fato-de-banho. Família a mais. Numa casa alugada com bibelots a mais. E um sofá de cabedal. Quente demais. Tudo aquilo era isso mesmo: a mais. Um excedente desnecessário, inútil. Férias para quê? Para descansar da escola?! Eu passava um ano lectivo inteiro a descansar. Há lá coisa mais relaxante que fazer pisa-papeis em barro, ditados, provas de estudo do meio ou jogos de futebol-aranha?! Cada ano que passava era um feriado gigante. E depois as férias grandes, um castigo. Sem os amigos em Lisboa, sem nada de novo para fazer, sentia-me uma presidiária a contar os dias para o regresso à vida. Estava numa Twilight Zone, ali no eixo Linda-a-Velha/Lagoa/Meia-Praia, à espera. Eu que sempre odiei esperar, passava 90 dias à espera que a espera acabasse.
Agora que as férias são realmente úteis, revestem-se de novo encanto. Agora dou por mim, naqueles finais de dias de trabalho em que já não consigo articular meia frase com sentido, a desejar três meses inteiros de férias. Sem precisar sequer daqueles livros de "actividades para o Verão" para me entreter.
As composições sobre as minhas férias saíam sempre desinteressantes. Apetecia-me falar do que aí vinha, do ano novo, dos planos que tinha feito ao mesmo tempo que construía castelos dignos do Rei dos Gnomos, à beira mar, e obrigavam-me a ficar ali, encalhada uma vez mais nas férias que já tinham acabado.
O que está para vir é sempre muito melhor do que o que já foi. Porque ainda pode ser tudo, ainda tem todas as hipóteses. A noite de 24 de Dezembro é muito melhor do que a de 25: ainda não sabemos o que está dentro daqueles embrulhos... No dia seguinte, os embrulhos já são material de reciclagem e os presentes já são passado. Afinal não eram nada de especial, eram parecidos com o do ano anterior. Mas muito piores que os do ano seguinte. Porque o ano seguinte é que vai ser!
Por isso hoje falo das minhas férias antes que elas comecem. Antes que ganhem vida e se tornem incontroláveis. Neste momento elas afiguram-se-me como as melhores férias de todas. Porque ainda não se esgotaram.
Esta composição sobre as minhas férias continua a ser tão desinteressante como as suas antecessoras. Mas desta vez escrevo-a com alegria. Com aquela alegria de quem vai embora, que vendo bem é parecida com a alegria de quem voltava à sala da primária.