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Monstro Bolero

Monstro Bolero

30
Jul10

"As minhas férias"

Joan@

"As minhas férias" é, oficialmente, o segundo tema de composição mais pedido pelas professoras primárias, logo a seguir a "A Primavera". Ao longo da minha vida já fiz milhares dessas redacções... Normalmente eram feitas na ressaca das férias grandes, depois de 3 infindáveis meses de alegria para uns e desespero para outros (como eu). Três meses era tempo demais. Eram dias a mais. Calor a mais. Areia a mais no fato-de-banho. Família a mais. Numa casa alugada com bibelots a mais. E um sofá de cabedal. Quente demais. Tudo aquilo era isso mesmo: a mais. Um excedente desnecessário, inútil. Férias para quê? Para descansar da escola?! Eu passava um ano lectivo inteiro a descansar. Há lá coisa mais relaxante que fazer pisa-papeis em barro, ditados, provas de estudo do meio ou jogos de futebol-aranha?! Cada ano que passava era um feriado gigante. E depois as férias grandes, um castigo. Sem os amigos em Lisboa, sem nada de novo para fazer, sentia-me uma presidiária a contar os dias para o regresso à vida. Estava numa Twilight Zone, ali no eixo Linda-a-Velha/Lagoa/Meia-Praia, à espera. Eu que sempre odiei esperar, passava 90 dias à espera que a espera acabasse.

Agora que as férias são realmente úteis, revestem-se de novo encanto. Agora dou por mim, naqueles finais de dias de trabalho em que já não consigo articular meia frase com sentido, a desejar três meses inteiros de férias. Sem precisar sequer daqueles livros de "actividades para o Verão" para me entreter.

As composições sobre as minhas férias saíam sempre desinteressantes. Apetecia-me falar do que aí vinha, do ano novo, dos planos que tinha feito ao mesmo tempo que construía castelos dignos do Rei dos Gnomos, à beira mar, e obrigavam-me a ficar ali, encalhada uma vez mais nas férias que já tinham acabado.

O que está para vir é sempre muito melhor do que o que já foi. Porque ainda pode ser tudo, ainda tem todas as hipóteses. A noite de 24 de Dezembro é muito melhor do que a de 25: ainda não sabemos o que está dentro daqueles embrulhos... No dia seguinte, os embrulhos já são material de reciclagem e os presentes já são passado. Afinal não eram nada de especial, eram parecidos com o do ano anterior. Mas muito piores que os do ano seguinte. Porque o ano seguinte é que vai ser!

Por isso hoje falo das minhas férias antes que elas comecem. Antes que ganhem vida e se tornem incontroláveis. Neste momento elas afiguram-se-me como as melhores férias de todas. Porque ainda não se esgotaram.

Esta composição sobre as minhas férias continua a ser tão desinteressante como as suas antecessoras. Mas desta vez escrevo-a com alegria. Com aquela alegria de quem vai embora, que vendo bem é parecida com a alegria de quem voltava à sala da primária.

 

 

27
Jul10

Nós os Ricos

Joan@

É impossível viver em Portugal e não ouvir referências constantes, vindas de todas as bocas, sobre "o dia em que ganhar o Euromilhões". Como se fosse a solução mágica para todos os problemas, como se fosse o mítico pote de ouro no fim do arco-iris.

Acredito seriamente na hipótese de qualquer dessas pessoas acertar nos 5 números e nas 2 estrelas. Sou muito crédula. Tão crédula e confiante que devia jogar mais vezes. Mas também acredito que ficarão severamente desiludidas depois de levantarem o prémio. Ou melhor, depois de comprarem o Porsche, o Ferrari e o chalet de férias em Quarteira (sim, que o dinheiro não traz bom gosto incluído, basta ver a casa da irmã de Ronaldo em Sarilhos Grandes).

A Amália cantava palavras de Reinaldo Ferreira que diziam que "a alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar e ficar contente". Nunca vivi na pobreza, nunca me faltou pão na mesa (nem brioches - esclarecimento para o caso de Maria Antonieta me estar a ler), mas também não desejo poder acender charutos com notas de 100 euros. Até porque não fumo. Se enriquecesse agora seria automaticamente uma nova rica. E quem se lembra da série do Fernando Mendes sabe que isso não pode ser bom.

De vez em quando jogo no Euromilhões. Raramente acerto um número ou uma estrela que seja. Se um dia ganhar, calhará muito bem. Todos temos planos para quando a fortuna bater à porta. Mesmo que a maioria desses planos não sejam sequer para realizar, e o dinheiro fique a ganhar pó numa conta bancária. Mas a maior alegria já me saiu, sem sequer ter de pagar 2€ ou fazer cruzinhas certeiras. É a alegria de saber que, ao contrário de 99% dos apostadores nacionais, eu não me despedia no dia em que ganhasse. Porque se parasse de fazer o que faço agora, mergulharia na miséria total. Aquela miséria que não se resolve na sopa dos pobres com uma canja de galinha: a pobreza de espírito.

 

 

 

22
Jul10

The Biggest Loser

Joan@

Adormeço a ver o The Biggest Loser, acordo a pensar que este meu treino do costume, às sete da manhã, afinal é coisa de mariquinhas. Hesito, inclusivamente. Será que vale a pena ir, não tendo eu 123 kilos em cima da coluna? De repente, aquilo que me parecia ser um acto heróico, de acordar dia após dia às seis e tal da manhã, passou a ser uma cena semi-ridícula. Reparem: treinar só uma hora, em vez de quatro ou cinco? E sem ninguém a gritar comigo como se estivesse na tropa? E sem compensações do género "uma sala cheia de hot dogs e chicken wings, e cinco minutos para comer tudo o que conseguir empurrar pela garganta abaixo" ou "por cada 100 calorias, poder falar 1 minuto com um ente querido"... Tenho de parar de ver o programa que, inexplicavelmente, em português se chama "O Peso Certo" - uma alusão tão clara quanto desnecessária a Fernando Mendes. Não queria nada ter esta imagem mental: Mendes com as suas maminhas ao léu em cima daquelas balanças gigantes que eles usam, a ver quantas gramas perdeu numa semana, e a perguntar se o prémio é um chouriço de sangue.

 

12
Jul10

O comodoro amigo

Joan@

Mais um exemplo de como Miguel Esteves Cardoso escreve como ninguém e diz o que todos gostaríamos de ter pensado.

 

"Tinha sido contaminado pelo futebol. O futebol tinha saído da jaula fortificada onde eu o guardo e tinha conseguido invadir o jardim maximum security da minha vida. A minha mãe já me tinha avisado. Quando nós éramos pequeninos e ela passava tempo de mais connosco, falando criancês - aquela língua delicodoce e cheia de diminutivos que os pais usam para dar ordens e ensinar coisas aos filhotes -, acontecia-lhe continuar a usar a mesma língua quando estava com adultos. Durante um cocktail, aconselhava um comodoro americano que acabara de lhe ser apresentado a "não vai beber esse uisquizinho todo de uma vez, pois não? Parece muito bom e fresquinho, cheio de pedrinhas de gelo, mas o álcool faz mal ao figadozinho! E nós não queremos que isso aconteça com o comodoro, pois não? Não! Claro que não queremos, porque o comodoro é um bom comodoro e quer um dia ser almirante, não é?" No criancês, o adulto geralmente responde às suas próprias perguntas e à criança cabe fazer que sim ou que não com a cabeça. O futebolês não é muito diferente. Pergunta-se: "Achaste que foi fora-de-jogo?" E segue-se logo com a resposta: "Aquilo nunca foi fora de jogo!" (O futebolês é tão exageradamente agressivo e discordante como o criancês é ternurento e unanimista)."

 

in Público (12/07/10)

06
Jul10

Duas descobertas deste fim-de-semana

Joan@

Maxibon Cookie e Jesusalém, de Mia Couto - não necessariamente por esta ordem de importância.

E um deles (deixo-vos adivinhar qual) diz:

 

"Não tardou que começassem as clandestinas lições da escrita. Um pequeno graveto rabiscava na areia do quintal e eu, deslumbrado, sentia que o mundo renascia como a savana depois das chuvas. Aos poucos, eu entendia as interdições de Silvestre: a escrita era a ponte entre tempos passados e futuros, tempos que, em mim, nunca chegaram a existir. (...) Foi desta maneira que estreei o meu primeiro diário. Foi também assim que ases e valetes, damas e reis, duques e manilhas passaram a partilhar os meus segredos. Os rabiscos minúsculos encheram copas, paus, ouros e espadas. Nesses cinquentas e dois quadradinhos verti uma infância de queixumes, esperanças e confissões. No jogo com Ntunzi, sempre perdi. No jogo com a escrita, perdi-me sempre."

 

Muito eloquente, este Maxibon.

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